Biomimética, que viagem é essa?
Uma travessia entre o design, a escuta e os ensinamentos invisíveis da natureza.
Em 2019, participei do curso de Biothinking do NOUS. Já tinha ouvido falar sobre biomimética, essa ideia de pensar como a natureza pensa. Mas será que eu conseguiria mesmo? Lembro bem do momento em que a Carol apresentou aqueles infográficos belíssimos com o título "Princípios da Vida". Olhei, achei lindo... e não entendi nada. Foi aí que pensei: é muita viagem. Saí do curso um pouco frustrada. A gente às vezes espera que ferramentas de design funcionem como uma varinha mágica, que vai mudar tudo de uma hora pra outra. Naquela época, eu era uma curiosa, alguém fascinada, mas ainda distante. A biomimética me pareceu algo complexo demais, quase inacessível.
Quatro anos se passaram. Eu estava imersa em uma floresta de samambaias gigantes na Bolívia. O clima estava meio chuvoso, meio neblinado. Fiquei encantada com aquela vegetação. Como pode existir uma samambaia de 800 anos?
No Bosque de los Helechos Gigantes, localizado no Parque Nacional Amboró, em Samaipata, todo o ecossistema contribui para que existam samambaias com até cinco metros de altura. Trata-se de um bosque pré-histórico, onde a umidade constante e a localização geográfica criam as condições ideais para que essas plantas ancestrais vivam por muito tempo.

Esse ecossistema abriga uma alta diversidade de flora e fauna, incluindo espécies endêmicas. É um verdadeiro tesouro natural que, com sua topografia acidentada (formada por cânions, vales e encostas arborizadas), seu clima úmido com chuvas abundantes ao longo do ano e a presença de fontes de água, como rios, córregos e cachoeiras, permite que essas plantas milenares prosperem.
Depois de atravessar esse bosque ancestral, subimos até o topo da montanha. Como o dia estava nublado, dava para ver as nuvens se formando e se desfazendo bem ali, no corpo da montanha. Fiquei sentada, observando aquele movimento, até que uma nuvem me atravessou.
Eu não pensava em nada. Estava ali, coexistindo com a nuvem. Foi nesse instante que me deu o clique: eu finalmente tinha entendido o que era biomimética. Precisei só de quatro anos para isso (risos).
Foi ali, naquele contato direto com os ciclos e ritmos da Terra, que a teoria virou experiência. A biomimética, enfim, desceu do conceito para o corpo.
Mas agora vocês me perguntam: o que é a biomimética?
De maneira simplória, eu poderia dizer que é uma ferramenta de design que nos faz olhar para a natureza e aprender com ela como resolver problemas. Sabe aquele exemplo clássico do trem-bala japonês, que utilizou o bico do pássaro martim-pescador como bioinspiração? Biomimética é isso. Mas também não é só isso. A biomimética vai muito além de “imitar” a natureza.

A biomimética pode ser uma ferramenta poderosa de transformação. Ela nos convida a olhar para a natureza de forma colaborativa. Nos faz entender que a natureza tem, de fato, todas as respostas, porque ela já está aqui há bilhões e bilhões de anos. Nossa linha do tempo na Terra é muito curta, se comparada à da natureza. Em 2019, eu estava, de uma maneira inconsciente, separada da natureza. E não tem como pensar em biomimética se estivermos separados da natureza.
Porque a natureza é colaboração. Não há desperdício. Nada se cria, tudo se transforma. A natureza já prova, há bilhões de anos, que é uma designer melhor do que nós. E por que não aprender sobre design com ela? Para mim, biomimética é isso: aprender sobre design com a natureza.
E no NOUS, a natureza é nossa mestra. É ela que nos ensina diariamente como colaborar, como escutar e como respeitar. Mais do que olhar para fora, é olhar para dentro. É se conectar verdadeiramente com esse fluxo de vida que ora se adensa, ora se dissipa. É observar a vida sem interferir. É entender que o vazio também faz parte.
É estar consciente da consciência da vida. É abraçar a nossa pequena travessia diante desse saber que a natureza nos oferece de graça.
Hoje, sigo nessa travessia não mais como iniciante, mas como alguém que faz da biomimética uma prática. Um campo de estudo, de criação e de presença. A biomimética atravessa meu trabalho como designer, desde a pesquisa até a criação. Estou com o NOUS nas investigações: microestações, ciclos dos calendários vivos, na concepção de projetos que nascem a partir das inteligências naturais.
A jornada não parou no curso de Biothinking: mochilei pela América Latina em busca de conhecimento, vivências. Ouvi histórias sobre Pachamama, aprendi com comunidades, com práticas, com os elementos. E sigo aprendendo - de arquiteta curiosa à designer que investiga e aplica as soluções da natureza.
A biomimética não é domínio de especialistas. Aqui no NOUS é prática viva, cotidiana e partilhada. Somos um coletivo que pensa com a vida, e se deixa transformar por ela. Cada pessoa do time se relaciona com esse campo à sua maneira com curiosidade, rigor e presença.
Coluna Biomimética e Inspiração por Marcela Dantas.